segunda-feira, 27 de julho de 2009

Exercite sua cuca / Revista vida simples 07/2009

Exercite sua cuca
Atividades físicas ativam a memória, reduzem a ansiedade, dão prazer e aliviam a tensão do seu cérebro
texto Rafael Tonon ilustração Gunther Ishiyama

Se, quando alguém fala em exercício para a cabeça, você logo pensa em se jogar no sofá com uma revistinha de palavras cruzadas, ler um livro cabeçudo ou encarar uma partida de xadrez, está na hora de se levantar, colocar um tênis confortável e encarar uma corrida para conhecer o que a atividade física é capaz de fazer por sua mente.
Que a prática de esportes faz bem para o corpo, tonifica os músculos e melhora a capacidade respiratória, todo mundo já sabe. Mas os cientistas descobriram que, muito além dos benefícios para o corpo, os exercícios são ótimos para a saúde do cérebro. Não é novidade, por exemplo, que fazer artes marciais, dança, natação, esportes coletivos – e até jogar peteca – favorece o bombeamento de sangue, o que indica mais oxigênio pelo corpo, inclusive para as células da massa cinzenta. Isso significa que quem faz exercícios físicos regularmente tem risco menor de sofrer pequenos e grandes AVCs (acidentes vasculares cerebrais), que colocam a mente e a vida em perigo.
Mas a grande novidade é que os exercícios aeróbicos estimulam a criação de novos neurônios, o que era impensável até o fim dos anos 90, quando se acreditava que nascíamos com uma quantidade certa de neurônios (cerca de 86 milhões) e que esse número só diminuiria com o passar dos anos. O que mostra que a mente pode estar em constante renovação – e bem mais atlética.
Novos em folha “Além de possibilitar o ganho de novos neurônios, o exercício aumenta a capacidade de interação e comunicação entre eles, que é o que chamamos de sinapse”, afirma Li Li Min, professor do Departamento de Neurologia da Unicamp. Isso quer dizer que os exercícios físicos não só aumentam a quantidade de jogadores em campo no cérebro (que seriam os novos neurônios) como também melhoram a qualidade do passe entre eles (sinapse). Porque não adianta só ter jogadores bons se eles não sabem passar a bola para o jogo fluir, né? Como no futebol, o time só ganha se jogar em equipe. E, para termos sinapses, os neurônios precisam se comunicar bem.
O neurologista orientou um estudo interessante para comprovar a influência de atividades físicas no cérebro. Os pesquisadores coordenados por Min analisaram imagens cerebrais de oito lutadores de judô, oito corredores de maratonas de longa distância e 20 sedentários. E perceberam um aumento na massa cinzenta daqueles que praticavam esportes. “A pesquisa serviu para mostrar a capacidade adaptativa do cérebro aos exercícios. Se a prática de esportes pode influir inclusive na plasticidade da massa cinzenta, fazendo com que áreas do cérebro se desenvolvam mais, isso indica que os benefícios das atividades físicas são mesmo inegáveis à mente”, diz Min. Assim como a questão dos neurônios, o aumento da massa do cérebro era outro tabu: acreditava-se que ela só podia ser desenvolvida por algumas doenças que fariam o órgão se tornar maior em alguma parte. O estudo do professor Min mostrou que, como qualquer músculo do corpo, o cérebro também pode “ganhar massa”, dependendo da região à qual aquela prática esportiva está associada.
A boa notícia é que o número de neurônios novos adicionados a cada dia pode até duplicar se você mantiver a prática de exercícios regulares. É claro que, em casos de doenças ou hábitos que promovem a degeneração dos neurônios (como o uso de drogas e álcool), as atividades físicas não podem fazer milagre pelo equilíbrio neuronal do cérebro – o placar das perdas há de ser maior que o dos ganhos. Mas, se você mantém uma rotina saudável, esses neurônios a mais podem fazer uma bela diferença no bem-estar da sua mente.
Cabeça relaxada Como no combate ao estresse, por exemplo. O hipocampo, área do nosso cérebro responsável por associar novas informações, funciona como nossa agenda interna, tentando dar conta de tudo para evitar que a tensão sobre o que temos que fazer tome os nossos pensamentos. Nos momentos em que somos expostos ao estresse, nosso corpo produz cortisol, um hormônio que é enviado para a corrente sanguínea. Quando o nível de cortisol está elevado, é papel do hipocampo perceber e dar um alerta ao organismo para parar de produzi-lo. O problema é que, quando o estresse é crônico, as altas doses sustentadas de cortisol acabam matando os neurônios do hipocampo por excitá-los demais. E os primeiros neurônios afetados são justamente aqueles que deveriam responder ao estresse.
Aí não tem jeito, o estresse toma conta do corpo, gerando ansiedade, tensão e depressão, que são os males relacionados a ele. Para evitar ou sair desse ciclo, o corpo precisa de ajuda. “E o exercício é uma maneira de auxiliar o hipocampo a melhorar o controle da resposta ao estresse, pois aumenta o número de neurônios nessa estrutura”, explica a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, autora do livro Fique de Bem com Seu Cérebro. A produção de neurônios novos pode repor os que foram perdidos por conta do excesso de cortisol.
Nesse sentido, as atividades físicas funcionam como os antidepressivos e estabilizadores de humor indicados pelos médicos para doenças como a própria depressão e os transtornos de ansiedade: elas ajudam o hipocampo a tomar as rédeas da situação. Mas de uma forma natural, sem que seja necessário ingerir as cargas químicas desses medicamentos, que podem ainda causar efeitos colaterais não desejados.
Por isso, quem já sofreu de ansiedade ou tem caso de depressão na família pode ter o exercício como um aliado para evitar o problema – ou sua reincidência. Nos casos crônicos, em que a apatia está tão arraigada que a vontade de sair da cama é nula, não dá para exigir que a pessoa saia correndo pelas ruas, claro. Mas, assim que a pessoa ganhar motivação, vale incentivá-la a fazer esportes. “Contar com um número maior de neurônios antes que o estresse se estabeleça também confere grande vantagem ao cérebro, que conseguirá agir mais rapidamente quando uma eventual resposta ao estresse se instalar no corpo, impedindo que ela fuja do controle”, afirma Suzana.
Os exercícios representam também outro ganho bastante significativo para o hipocampo. Como é essa a área do cérebro que determina nossa memória, ao praticar atividades aeróbicas é possível ter uma melhora nas lembranças e na capacidade de aprendizado. Isso porque o hipocampo, como responsável pela formação de memórias novas, decide quais informações vão continuar em campo ou levar cartão vermelho e “serem expulsas” do cérebro. Afinal, quando não há espaço para guardar mais informações, ele precisa deletar outras. Uma quantidade maior de neurônios ajuda a dar conta do trabalho.
Em busca da juventude Nesse caso, há uma relação direta com o hormônio do crescimento (GH), que também é produzido em maior quantidade quando começamos a suar por conta de uma atividade aeróbica. Idosos que se exercitam com regularidade conseguem reverter o declínio das funções cerebrais que são acarretadas pela idade. As atividades físicas são como uma fonte de juventude para o cérebro, evitando o envelhecimento e melhorando a memória.
E sabe o que é mais legal nessa história toda? É que o próprio cérebro sabe do benefício da movimentação do corpo e nos ajuda a evitar o sedentarismo. Basta vencermos a preguiça e encontrarmos um exercício prazeroso para ficarmos viciados nele – nos dias que a rotina corrida nos impede de praticálo, ficamos até mal-humorados. Isso acontece porque as atividades físicas ativam nosso sistema de recompensa e dão ao corpo uma enorme sensação de prazer e euforia. Quando o exercício acaba, o cérebro quer ter aquela sensação de novo, e incentiva o corpo a fazer mais vezes aquela atividade. É como um vício, só que do bem.
Mesmo assim, fique de olho na quantidade. Não é só porque as atividades físicas fazem bem que você vai viver na academia ou correr mais tempo do que seu corpo aguenta. Como tudo na vida, o excesso do que é bom acaba sendo ruim. Exercício demais também pode ser fonte de estresse. A melhor saída é fazer exercícios que deem prazer. “Se forçarmos alguém a correr todos os dias, o resultado será uma resposta crônica ao estresse catastrófica para a saúde do corpo e da mente”, diz Suzana. Portanto, não importa o exercício, desde que ele seja prazeroso e intenso o suficiente para aliviar a tensão do cérebro, melhorar a memória e acalmar a mente. Você está esperando o que para deixar essa revista por umas horinhas e ir se exercitar, hein?
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Se, quando alguém fala em exercício para a cabeça, você logo pensa em se jogar no sofá com uma revistinha de palavras cruzadas, ler um livro cabeçudo ou encarar uma partida de xadrez, está na hora de se levantar, colocar um tênis confortável e encarar uma corrida para conhecer o que a atividade física é capaz de fazer por sua mente.
Que a prática de esportes faz bem para o corpo, tonifica os músculos e melhora a capacidade respiratória, todo mundo já sabe. Mas os cientistas descobriram que, muito além dos benefícios para o corpo, os exercícios são ótimos para a saúde do cérebro. Não é novidade, por exemplo, que fazer artes marciais, dança, natação, esportes coletivos – e até jogar peteca – favorece o bombeamento de sangue, o que indica mais oxigênio pelo corpo, inclusive para as células da massa cinzenta. Isso significa que quem faz exercícios físicos regularmente tem risco menor de sofrer pequenos e grandes AVCs (acidentes vasculares cerebrais), que colocam a mente e a vida em perigo.
Mas a grande novidade é que os exercícios aeróbicos estimulam a criação de novos neurônios, o que era impensável até o fim dos anos 90, quando se acreditava que nascíamos com uma quantidade certa de neurônios (cerca de 86 milhões) e que esse número só diminuiria com o passar dos anos. O que mostra que a mente pode estar em constante renovação – e bem mais atlética.
Novos em folha “Além de possibilitar o ganho de novos neurônios, o exercício aumenta a capacidade de interação e comunicação entre eles, que é o que chamamos de sinapse”, afirma Li Li Min, professor do Departamento de Neurologia da Unicamp. Isso quer dizer que os exercícios físicos não só aumentam a quantidade de jogadores em campo no cérebro (que seriam os novos neurônios) como também melhoram a qualidade do passe entre eles (sinapse). Porque não adianta só ter jogadores bons se eles não sabem passar a bola para o jogo fluir, né? Como no futebol, o time só ganha se jogar em equipe. E, para termos sinapses, os neurônios precisam se comunicar bem.
O neurologista orientou um estudo interessante para comprovar a influência de atividades físicas no cérebro. Os pesquisadores coordenados por Min analisaram imagens cerebrais de oito lutadores de judô, oito corredores de maratonas de longa distância e 20 sedentários. E perceberam um aumento na massa cinzenta daqueles que praticavam esportes. “A pesquisa serviu para mostrar a capacidade adaptativa do cérebro aos exercícios. Se a prática de esportes pode influir inclusive na plasticidade da massa cinzenta, fazendo com que áreas do cérebro se desenvolvam mais, isso indica que os benefícios das atividades físicas são mesmo inegáveis à mente”, diz Min. Assim como a questão dos neurônios, o aumento da massa do cérebro era outro tabu: acreditava-se que ela só podia ser desenvolvida por algumas doenças que fariam o órgão se tornar maior em alguma parte. O estudo do professor Min mostrou que, como qualquer músculo do corpo, o cérebro também pode “ganhar massa”, dependendo da região à qual aquela prática esportiva está associada.
A boa notícia é que o número de neurônios novos adicionados a cada dia pode até duplicar se você mantiver a prática de exercícios regulares. É claro que, em casos de doenças ou hábitos que promovem a degeneração dos neurônios (como o uso de drogas e álcool), as atividades físicas não podem fazer milagre pelo equilíbrio neuronal do cérebro – o placar das perdas há de ser maior que o dos ganhos. Mas, se você mantém uma rotina saudável, esses neurônios a mais podem fazer uma bela diferença no bem-estar da sua mente.
Cabeça relaxada Como no combate ao estresse, por exemplo. O hipocampo, área do nosso cérebro responsável por associar novas informações, funciona como nossa agenda interna, tentando dar conta de tudo para evitar que a tensão sobre o que temos que fazer tome os nossos pensamentos. Nos momentos em que somos expostos ao estresse, nosso corpo produz cortisol, um hormônio que é enviado para a corrente sanguínea. Quando o nível de cortisol está elevado, é papel do hipocampo perceber e dar um alerta ao organismo para parar de produzi-lo. O problema é que, quando o estresse é crônico, as altas doses sustentadas de cortisol acabam matando os neurônios do hipocampo por excitá-los demais. E os primeiros neurônios afetados são justamente aqueles que deveriam responder ao estresse.
Aí não tem jeito, o estresse toma conta do corpo, gerando ansiedade, tensão e depressão, que são os males relacionados a ele. Para evitar ou sair desse ciclo, o corpo precisa de ajuda. “E o exercício é uma maneira de auxiliar o hipocampo a melhorar o controle da resposta ao estresse, pois aumenta o número de neurônios nessa estrutura”, explica a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, autora do livro Fique de Bem com Seu Cérebro. A produção de neurônios novos pode repor os que foram perdidos por conta do excesso de cortisol.
Nesse sentido, as atividades físicas funcionam como os antidepressivos e estabilizadores de humor indicados pelos médicos para doenças como a própria depressão e os transtornos de ansiedade: elas ajudam o hipocampo a tomar as rédeas da situação. Mas de uma forma natural, sem que seja necessário ingerir as cargas químicas desses medicamentos, que podem ainda causar efeitos colaterais não desejados.
Por isso, quem já sofreu de ansiedade ou tem caso de depressão na família pode ter o exercício como um aliado para evitar o problema – ou sua reincidência. Nos casos crônicos, em que a apatia está tão arraigada que a vontade de sair da cama é nula, não dá para exigir que a pessoa saia correndo pelas ruas, claro. Mas, assim que a pessoa ganhar motivação, vale incentivá-la a fazer esportes. “Contar com um número maior de neurônios antes que o estresse se estabeleça também confere grande vantagem ao cérebro, que conseguirá agir mais rapidamente quando uma eventual resposta ao estresse se instalar no corpo, impedindo que ela fuja do controle”, afirma Suzana.
Os exercícios representam também outro ganho bastante significativo para o hipocampo. Como é essa a área do cérebro que determina nossa memória, ao praticar atividades aeróbicas é possível ter uma melhora nas lembranças e na capacidade de aprendizado. Isso porque o hipocampo, como responsável pela formação de memórias novas, decide quais informações vão continuar em campo ou levar cartão vermelho e “serem expulsas” do cérebro. Afinal, quando não há espaço para guardar mais informações, ele precisa deletar outras. Uma quantidade maior de neurônios ajuda a dar conta do trabalho.
Em busca da juventude Nesse caso, há uma relação direta com o hormônio do crescimento (GH), que também é produzido em maior quantidade quando começamos a suar por conta de uma atividade aeróbica. Idosos que se exercitam com regularidade conseguem reverter o declínio das funções cerebrais que são acarretadas pela idade. As atividades físicas são como uma fonte de juventude para o cérebro, evitando o envelhecimento e melhorando a memória.
E sabe o que é mais legal nessa história toda? É que o próprio cérebro sabe do benefício da movimentação do corpo e nos ajuda a evitar o sedentarismo. Basta vencermos a preguiça e encontrarmos um exercício prazeroso para ficarmos viciados nele – nos dias que a rotina corrida nos impede de praticálo, ficamos até mal-humorados. Isso acontece porque as atividades físicas ativam nosso sistema de recompensa e dão ao corpo uma enorme sensação de prazer e euforia. Quando o exercício acaba, o cérebro quer ter aquela sensação de novo, e incentiva o corpo a fazer mais vezes aquela atividade. É como um vício, só que do bem.
Mesmo assim, fique de olho na quantidade. Não é só porque as atividades físicas fazem bem que você vai viver na academia ou correr mais tempo do que seu corpo aguenta. Como tudo na vida, o excesso do que é bom acaba sendo ruim. Exercício demais também pode ser fonte de estresse. A melhor saída é fazer exercícios que deem prazer. “Se forçarmos alguém a correr todos os dias, o resultado será uma resposta crônica ao estresse catastrófica para a saúde do corpo e da mente”, diz Suzana. Portanto, não importa o exercício, desde que ele seja prazeroso e intenso o suficiente para aliviar a tensão do cérebro, melhorar a memória e acalmar a mente. Você está esperando o que para deixar essa revista por umas horinhas e ir se exercitar, hein?

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